Uma análise profunda a Jorge Jesus

A notícia do dia do futebol português é o retorno de Jorge Jesus ao Benfica. E se há coisa que o sócio do Sporting não faz é deixar alguém indiferente.

De repente vemos Benfiquistas a dobrar a espinha dizendo que nunca disseram mal dele, quando na realidade só conheço dois que continuaram a dizer bem deste após a sua saída, e esquecendo num lugar profundo tudo o que disseram sobre a incapacidade de Jorge Jesus projectar a equipa na Liga dos Campeões ou de que este não apostava em jovens e os fazia perder-se.

Por outro lado, vejo Sportinguistas com as mais diversas posições. Uns a lembrarem o campeonato que nos foi roubado, e o bom futebol que praticou nesse ano, outros a relembrarem a forma com que com o melhor plantel, e orçamento, do Sporting dos últimos 30 anos conseguiu fazer a desgraça que foi 17/18. Uns falando da falta de carácter que foi demonstrando, e as figuras que trouxe, outras relembrando que Bruno de Carvalho também foi tudo menos alguém fácil de ligar.

No entanto é demasiado redutor olhar para Jorge Jesus dessa forma. Chegou a hora de me debruçar um pouco mais extensamente sobre o sócio do Sporting Jorge Jesus.

Mestre da Táctica Inicialmente Arrasador

O autodenominado Mestre da Táctica mostrou por várias vezes que sabe meter equipas a jogar bom futebol. A primeira temporada dele no Benfica foi fortíssima. A primeira temporada dele no Sporting foi incrível, e pode ser que um dia se reponha a verdade desportiva dando-nos esse campeonato. E a primeira época no Flamengo foi também incrível.

Nesses anos conseguiu não só ganhar títulos como praticar bom futebol, o melhor do seu campeonato, chegando por vezes a ser mesmo demolidor. Isto especialmente frente a equipas mais fracas.

Se há algo que Jorge Jesus faz é montar equipas sólidas defensivamente quanto baste, e depois cheias de dinâmicas ofensivas que lhe tendem a dar golos suficientes para vencer os adversários. A maneira dinâmica com que fala com os jogadores, especialmente os que ainda não o conhecem, energiza-os de uma forma brutal que permite que entrem sempre nas primeiras partes com ganas de vencer, e traduzem a superioridade em golos.

Os Jogos Grandes

Quando me quero lembrar de grandes jogos grandes de Jorge Jesus, até para negar a lógica acima exposta das entradas galvanizadoras e supremacia apenas contra mais fracos, lembro-me daquela goleada imposta em pleno Estádio da Luz por três bolas a zero.

Téo Gutiérrez aos nove minutos, seguido por Slimani aos 21 e fechado em beleza aos 36 pelo saudoso Bryan Ruiz. Grande jogo, grande vitória em plena casa do rival, que contradiz a teoria anterior. Ou talvez não.

Mesmo nesse jogo se nos formos lembrar entramos fortíssimos, e ganhámos o jogo na primeira parte.  Se o Benfica tem resistido a este brutal ataque inicial teríamos sequer ganho? Duvido.

Não que não haja vitórias tardias de Jorge Jesus, mas em jogos grandes se o adversário consegue arrastar o jogo para perto do fim do mesmo com as equipas de Jesus em desvantagem tudo desmorona. E lembro-me disso em pleno Alvalade no jogo em que Bryan e o árbitro nos condenaram, tal como mais felizes se lembram os portistas de Kelvin. Mas historicamente Jorge Jesus por muito que entre fortíssimo tem uma grande lacuna a fechar jogos.

As segundas épocas

O Flamengo se calhar teve a sorte de ver apenas o melhor Jorge Jesus, o das melhores épocas que faz, ou seja as primeiras. Nas segundas de repente começa sempre a haver uma quebra subida de qualidade nas suas actuações, as teimosias e apostas em certos jogadores fetiche sobem de nível, e os resultados tendem a desaparecer.

Os Benfiquistas podem de repente estar a sonhar com uma época de sonho nesta sua primeira época de retorno, mas se calhar o motivo não é apenas ser a primeira época, é bem mais forte que isso.

Ao fim da primeira época de sonho, no entanto Jorge Jesus acaba sempre por ganhar mais poder e preponderância no clube. Em parte, por ter feito um excelente trabalho na época anterior, por outro lado por deixar no ar a ameaça velada que pode ir para outro clube. A decisão de quem gere acaba por ser aceitar. Se tens um treinador que chega e faz uma época muito acima do que outros fazem, se ele exige mais poder acabas por ceder.

Com isto pessoas da confiança de Jorge Jesus chegam a lugares de poder na estrutura. O poder das escolhas das contratações fica centrado no que estes amigos sugerem, e as decisões acabam por ser de Jorge Jesus nas inúmeras horas que passa a ver os vídeos que lhe fazem chegar.

É nesta fase que surgem decisões no mínimo questionáveis. Se podemos achar desnecessária a saída de Naldo para ir buscar Douglas, mais um pedido expresso de Jorge Jesus, saber que foi pedir expressamente que se fosse contratar Alan Ruiz em vez de Hakim Ziyech que estava já fechado é no mínimo escabroso.

Mas estes negócios de segundas épocas com jogadores sul americanos, estando ou não na Europa, são conhecidos recorrentes. Jogadores normalmente que até demonstraram algum potencial, mas que ou estagnaram ou tiveram uma ou duas más épocas no percurso.

São também estes jogadores que normalmente acabam por ser aqueles que se tornam cativos nas equipas de Jesus e criam a sua tão famosa teimosia. Estes negócios altamente patrocinados por si são usados até à exaustão, tentando que realmente funcionem.

Jorge Jesus e a Formação

Lembram-se quando Jorge Jesus saiu do Benfica toda a gente, especialmente picados por comentadores ligados a Vieira, começou a falar da falta de aposta de Jorge Jesus na formação. Então a quantidade de entrevistas que Bernardo Silva deu sobre o tema, e a tal história de ter saído para não jogar a lateral direito, foram doentias.

No Sporting podemos falar de Iuri Medeiros, Matheus Pereira e Francisco Geraldes como casos mal geridos por Jorge Jesus, entre outros não conhecidos, mas será que é mesmo verdade esta fama de Jorge Jesus?

A verdade é bem mais complexa. Há inúmeros casos de aposta forte de Jorge Jesus na formação. No Sporting lembro-me de Daniel Podence, Rúben Semedo e especialmente Gelson Martins.

Isto não quer dizer que Jorge Jesus aposte forte e bem na formação. Na realidade Jorge Jesus é acima de tudo um imediatista sem grande paciência. Se vê um jogador jovem que pode usar de imediato usa, e até ao extremo, não se importa muito se é mais novo ou mais velho.

Por outro lado, não tem a sensibilidade de ir gerindo os tempos, as emoções e as alturas em que os jogadores falham. Ele ensina, e ensina bem que os jogadores com ele evoluem, mas não tem paciência para quem não está no mesmo cumprimentos de onda. Ou o jogador se adapta a Jorge Jesus, ou é descartado para entrar nos minutos finais de um jogo de longe a longe.

No entanto se o jogador tiver capacidade para ir entrando desde logo e dar mais valias, e se adaptar ao que Jorge Jesus pede e se formatar como ele quer, poderá crescer e ter sucesso.

Este modelo por um lado vai dar alguns excelentes jogadores a serem potenciados por Jorge Jesus, por outro vai fazê-lo por de lado quem não se alinha por as ideias de Jorge Jesus, mesmo que tenha um enorme talento.

Jorge Jesus e a comunicação

A comunicação de Jorge Jesus teve sempre um excelente aliado, a imprensa. Desde há muitos anos que Jorge Jesus é amigo de uma enorme franja de jornalistas nacionais, e cultiva a mesma com inúmeros jantares e almoços.

Isto quando se está a ganhar é altamente benéfico para o clube que o tem como treinador. Em parte, ajuda a blindar parcialmente o balneário, por outro lado permite e gerindo alguns problemas de forma cordial, e sempre com grandes loas às suas vitórias.

No entanto estas ligações ao serem afectas a Jorge Jesus e não ao clube tem um lado negativo para o segundo. Quando as coisas não estão a correr bem é fácil que comecem a ser apontados na imprensa focos de instabilidade no clube, ou alguns jogadores que Jorge Jesus não goste, como os motivos para as falhas.

De lembrar que vários jornalistas da praça têm muito a ganhar ao ter em Jorge Jesus sempre pronto a dar-lhes informações privadas. Isto para não falar de Rui Pedro Braz que ganha ainda hoje royalties por cada livro de Jorge Jesus, escrito sobre o técnico pelo jornalista.

As Conferências de Imprensa

Existem três tipos de conferência de Jorge Jesus. Quando começa a ganhar é um tipo cordial, que explica, até demais, como montou a táctica e o porque das escolhas iniciais, enquanto recusa falar de arbitragens e outros factores externos. Este foi o estilo que Bruno Lage tentou copiar por exemplo.

No entanto quando as vitórias se começam a acumular tende a começar a inchar, a inchar, até que se torna naquele meme que é conhecido. Arrogante ao extremo, desrespeitoso para os adversários, e até para os seus próprios jogadores ao concentrar todas as vitórias no “Eu”. Há quem diga que este foi o factor decisivo quando Vieira o deixou sair, porque estava a ofuscar até o próprio Presidente.

Este Jorge Jesus é perigoso para si próprio, pois faz em parte baixar a guarda dos seus, e em parte motiva os adversários, espicaçando-os.

Na fase de derrotas, no entanto Jorge Jesus torna-se o maior especialista em chorar do mundo. Começa por andar a queixar-se recorrentemente da sorte. Pede para olharem para o número de oportunidades criadas, de posse de bola e todas as outras estatísticas e explica que devia ter sido ele a ganhar. Que só não ganha por sorte. Depois vai passando meias mensagens sobre um ou outro jogador que devia ser trocado por um melhor que deveria ser comprado.

E claro, acaba por atacar as arbitragens, normalmente com indirectas para não ser punidos, mas fáceis para os seus amigos na imprensa.

As traições de Jorge Jesus e Bruno de Carvalho

Existem duas versões sobre Janeiro de 2018, uma vinda de Bruno de Carvalho e outra de Jorge Jesus.

Segundo Jorge Jesus as coisas serenaram entre ele e Luís Filipe Vieira quando percebeu que Bruno de Carvalho era demasiado impulsivo, e irrascível mesmo, e com ele não conseguiria ser campeão. Daí voltou a aproximar-se de Vieira, e chegaram a acordo para resolver fora do tribunal de forma amigável os seus diferendos.

Já segundo Bruno de Carvalho foi Luís Filipe Vieira que percebeu que o Sporting o iria retirar dos dois primeiros lugares nesse ano, e que com a Champions em risco poderia colocar em causa a sua dinastia. Como tal chegou a Jorge Jesus, pagou-lhe todo o diferendo antigo, e ofereceu-lhe um retorno a peso de ouro ao Benfica no futuro, se o Sporting não retirasse o lugar ao Benfica nesse ano.

Seja qual for o iniciador, e nestes casos é difícil saber quem trai quem primeiro, a partir de Janeiro de 2018, onde ocorreu esse acordo, o Sporting exponenciou a guerra civil que grassou desde os balneários até às Assembleias Gerais. Não foi apenas a equipa de futebol, foi todo o clube que entrou em autofagia.

Há muitas culpas que podem ser atribuídas a Bruno de Carvalho, a oposicionistas da altura, mas é impossível não ver que a equipa de futebol de repente caiu a pique. Acabando naquele jogo inexplicável da Madeira onde Piccini joga durante mais de meia hora lesionado sem Jorge Jesus reagir.

Não sei honestamente quem começou esta guerra entre Jorge Jesus e Bruno de Carvalho, mas sei que quem perdeu, e muito, foi o Sporting.

Terá o Benfica uma Primeira Época de Jorge Jesus?

O All-in de Luís Filipe Vieira em Jorge Jesus prendesse com o facto de este acreditar que vai acontecer uma primeira grande época à Jorge Jesus. Vai ser uma primeira época é certo, mas tem alguns traços desde já de segunda.

Por aquilo que veio na imprensa as negociações mais difíceis foram para saber se toda a entourage de Jorge Jesus o acompanharia ou não no Benfica. E segundo essa mesma imprensa virá mesmo.

Mais, até já se fala que até Octávio Machado poderá ser contratado pelo Benfica. Neste caso parece ficar claro que Jorge Jesus terá uma palavra decisiva nas contratações do Benfica este ano, o que acaba sempre por ser um enorme risco que eles correm.

No entanto Jorge Jesus é um treinador que com bons jogadores, motivados a seguirem-no, tem tido resultados. Aliado a toda a máquina dentro e fora de campo do Benfica, e ao maior orçamento que já tem, e que vai ser aumentado por Vieira para evitar perder as eleições, torna-o claramente como o maior favorito a vencer para o ano.

Agora se começar a correr mal, e os adeptos do Benfica começarem a questionar o treinador, e começarem a vir notícias dos amigos de Jesus sobre factos internos, também existe o potencial para ser um barril de pólvora.

Em suma, e já indo bastante longo, considero que Jorge Jesus é um bom treinador, obcecado consigo próprio, e com alguns defeitos conhecidos. Apesar de tudo é dos treinadores que mais poderá aproximar o Benfica da vitória no imediato, mas aceitando colocar o poder total no que o treinador pensa e não no projecto próprio.


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Comentários

2 comentários a “Uma análise profunda a Jorge Jesus”

  1. Gustavo Tomás

    Muito boa análise. Poderia ter falado ou explorado também o quanto JJ sempre aposta nos mesmos jogadores ao longo da época e eles deixam de render no final.

  2. Concordo com tudo.

    Mas acho que ficou um ponto importante para tocar: é que esta é a primeira vez, em toda a carreira, que JJ chega a um clube com alguma dimensão e não tem a totalidade dos adeptos com ele e, mesmo os que estão a favor da sua contratação, olham para ele com alguma desconfiança.

    Por onde passou, JJ foi sempre recebido em euforia e de braços abertos. E desta vez não vai ser assim.

    O grau de tolerância vai ser perto de zero e vai haver sempre quem, dentro do benfica, acabará por implicar com ele, seja porque não aposta na formação, seja porque está a contratar camiões de sul-americanos a preços exorbitantes, seja porque aposta sempre nos mesmos, seja porque pôs não sei quem a lateral esquerdo, etc. etc.

    Acredito que o Sporting (que não tem qualquer peso na comunicação social) vai assitir de poltrona, mas o Porto vai querer explorar isto ao máximo. A cada derrota do benfica, vão aparecer as notícias sobre as traições de JJ e o descontentamento dos adeptos.

    Eu diria que tudo dependerá da forma como o benfica iniciará o campeonato e se conseguirá ou não a qualificação para a Liga dos Campeões (primeiro teste a sério). Se os primeiros jogos correrem bem, o benfica de JJ será imparável – não há ninguém coimo JJ para cavalgar sobre séries de bons resultados. Se correr mal, a barraca abana.

    Se eu tivesse que apostar, diria que:
    – o Benfica será campeão esta época com alguma facilidade;
    – JJ não fica os 3 anos no benfica;
    – a ligação ao benfica será uma relação de desgaste rápido, pelo que não antevejo um final nada bonito;
    – JJ seguirá diretamente do benfica para o porto.

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